maio 09, 2006

"sobre um poema" ou sobre o amor que se faz


Um poema cresce inseguramente
na confusão da carne,
sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser.

Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência
ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
do nosso amor,
os rios, a grande paz exterior das coisas,
as folhas dormindo o silêncio,
as sementes à beira do vento,
- a hora teatral da posse.
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.

E já nenhum poder destrói o poema.
Insustentável, único,
invade as órbitas, a face amorfa das paredes,
a miséria dos minutos,
a força sustida das coisas,
a redonda e livre harmonia do mundo.

- Em baixo o instrumento perplexo ignora
a espinha do mistério.
- E o poema faz-se contra o tempo e a carne.


Herberto Helder
img de susan derges

8 comentários :

125_azul disse...

Amo sem pressa os amigos são loucos e se remexem lentamente dentro do fogo com cinco dedos de cada lado...não é bem assim, mas ganhei uma vez uma fotografia com este poema do Herberto e soube-o de cor durante muito tempo. Agora é só vaga lembrança, doce com a leitura do seu post de hoje. Grata. bjinho

125_azul disse...

...amigos QUE são loucos

Anónimo disse...

Amor eira, amor extenso e batido, limpo, terreno ao sol, depois também seco - amor, por isso,
ou por demasiado tempo anexo ao açucar sem sem o utilizar.

Luis F. Cristóvão disse...

seriam então coisas da ordem dos beijos, dos gestos, dos carinhos...


um olá sem palavras;)

Angela disse...

Sinto que sim!
há sempre algo maior que perpassa "a miséria dos minutos" e a imensidão 'livre e redonda' do mundo... e permanece...indisível.

AW disse...

linda a abertura: fora existe o mundo.

K. disse...

:)

F.Mielli disse...

aaaaaaaaaaaaaaaaa, lindo
fico em silêncio reflexivo. quanta beleza.