março 09, 2018

março 04, 2018

É Isto o Amor

Em quem pensar, agora, senão em ti? 
Tu, que me esvaziaste de coisas incertas, 
e trouxeste a manhã da minha noite. 
É verdade que te podia dizer: 
«Como é mais fácil deixar que as coisas não mudem, 
sermos o que sempre fomos, 
mudarmos apenas dentro de nós próprios?» 
Mas ensinaste-me a sermos dois; 
e a ser contigo aquilo que sou,
até sermos um apenas no amor que nos une,
contra a solidão que nos divide. 

Mas é isto o amor:
ver-te mesmo quando te não vejo, 

ouvir a tua voz que abre as fontes de todos os rios, 
mesmo esse que mal corria quando por ele passámos,
subindo a margem em que descobri o sentido
de irmos contra o tempo, 

para ganhar o tempo que o tempo nos rouba. 
Como gosto, meu amor, 
de chegar antes de ti para te ver chegar: 
com a surpresa dos teus cabelos, 
e o teu rosto de água fresca que eu bebo, 
com esta sede que não passa. 
Tu: a primavera luminosa da minha expectativa,
a mais certa certeza de que gosto de ti, 

como gostas de mim, até ao fim do mundo que me deste. 

Nuno Júdice, in 'Pedro, Lembrando Inês'