janeiro 08, 2008

antropologia

Como não queria que a intensidade do meu amor afugentassse a Cotovia, fingi indiferença. Comecei a temer que a táctica não estivesse a dar resultado; parecia aborrecida na minha companhia, não parava de olhar para o relógio, como se estivesse imapaciente por ir para outro sítio muito melhor. Mesmo assim, combinávamos sempre distraídamente novo encontro. Quando, enfeitiçado, sugeri, como quem não quer a coisa, que nos casássemos, encolheu os ombros e, bocejando, disse: - Já agora. Não podia acreditar na minha sorte. O homem perguntou-nos se estávamos preparados para nos amaramos e ampararmos mutuamente para sempre. Cotovia respondeu-lhe "porque não?" e eu disse-lhe que "achava que sim".
Dan Rhodes,
A namorada portuguesa e outras 100 histórias.

Gosto especialmente do tempo que as vírgulas fazem aqui, coreografando em namoro o momento da sugestão. Gosto do que vejo como dança no corpo dos personagens, a partir do ritmo dentro-sinto/fora-ajo "como quem não quer a coisa".
Depois, o resto das histórias, as outras 100. Cada uma com 101 palavras, 1 palavra como título, organizadas alfabeticamente a partir dele ( na versão inglesa ). Sim, era demasiado proposta a la "creative writing workshop", que me irritou assim à primeira; mas no caso - porque as li todas, esqueci-me logo disso. É certo que gosto especialmente de formas breves na escrita, pela exigência. Mas há aqui alguma coisa daquilo que andamos a falar acerca do que pode ser a literatura, e não só numa ou duas histórias; o fôlego mantém-se e com ele o sorriso de nos irmos reconhecendo
cubisticamentede, de namorada para namorada, nisto do que é querer ser um "a dois" . Só não percebo a opção localista do título... demasiado linear pegar noutro título de um dos contos só porque "o nacional" está lá. Sobretudo quando estamos a editar uma proposta desta natureza que usa milimetricamente cada palavra. Perde-se o que diz (sobre tudo que se fala), precisamente, numa palavra. Antropologia era também a que inaugurava o indíce. Tão custosa deve ter sido encontrar a fórmula; vem a namorada portuguesa e estraga tudo. mais 4.

9 comentários :

Alexa disse...

Parece muito interessante!
Bjs e bom ano

Chloé disse...

Estes livros e obras que recomendas são mesmo apetecíveis, devias pedir uma comissão às editoras ;-). Lá vou eu procurar este, se possivel na versão original que as traduções apagam inevitavelmente alguns dos sentidos das palavras originais.
Beijo,

dora disse...

espero que gostes ( são muito divertidos os contos ). conta-me depois.

Sérgio Aires disse...

Obrigado pela visita que agora retribuo. Também já li esse livrinho que muito me divertiu.
Até sempre.

musalia disse...

boa sugestão, agradou-me o excerto :)
obrigada.

Anónimo disse...

Sempre hei-de dizer que a razão do título português é puramente comercial. Sei isso porque fui o tradutor. Mas não se aflija porque todo o livro o é.

Cumprimentos

manel

Anónimo disse...

Além disso, o livro é subtilmente machista.

Mais cumprimentos

manel

Abssinto disse...

Adorei o livro. Um contista nato! para mim isto sim é que é verdadeira micro-ficção.

bj

dora disse...

coincidimos!
( bom :)