"(...) Parecia-lhe que tinha braços e pernas a mais. Pois quando entrava numa sala tropeçava no tapete, pisava as senhoras e dava sempre uma cotovelada em alguém. Tinha que passar a vida a pedir desculpa.
E à noite abria a janela do seu quarto, respirava o vento que vinha de longe, olhava as estrelas e pensava na liberdade.
Já não era um rapaz pequeno mas ainda não era um rapaz crescido(...)"
As palavras são, nos dois casos, de Sophia. Um inédito. Um conto para crianças, "Os ciganos". Fotografado o manuscrito e publicado no DN de Sábado.
Quem me conhece, sabe o que gosto de palavras. Gosto-lhes do som, do movimento dos lábios ao pronunciar as que elejo, do corpo ar que diz antes de dizer o que tem dentro. Depois ( ou antes, ou simultaneamente, nunca sei ), há a escrita da tinta ou do carvão. No rasto das mãos enquanto desenham os bailes do pensamento como fotografia, a natureza é outra, mais dialógica. Vejo de fora para dentro do outro. É mais perto da respiração original e desse som fundo. É mais quente. É mais tudo.
Deve ser por isso que me emocionei de jornal na mão, enquanto o folheava distraidamente na tabacaria...
( porque sim, perto da minha casa, há um lugar onde posso tocar nos jornais e nas revistas, antes de os comprar. É lá que vou sempre e onde, por essa liberdade rara, gasto algum dinheiro todos os dias. Muito mais que antes, quando só havia os dois quiosques e a tabacaria do centro comercial, todos muito impermeaveis e sem miolo: só capas. Assim continuam. )
... são as palavras de Sophia. De duas maneiras, novas: a primeira página de um conto infantil, nunca publicado (a intenção da família será fazê-lo, diz o Jornal), a primeira página do seu caderno manuscrito. E a folha de papel de jornal na minha mão é, por segundos, a mesma.
E à noite abria a janela do seu quarto, respirava o vento que vinha de longe, olhava as estrelas e pensava na liberdade.
Já não era um rapaz pequeno mas ainda não era um rapaz crescido(...)"
As palavras são, nos dois casos, de Sophia. Um inédito. Um conto para crianças, "Os ciganos". Fotografado o manuscrito e publicado no DN de Sábado.
Quem me conhece, sabe o que gosto de palavras. Gosto-lhes do som, do movimento dos lábios ao pronunciar as que elejo, do corpo ar que diz antes de dizer o que tem dentro. Depois ( ou antes, ou simultaneamente, nunca sei ), há a escrita da tinta ou do carvão. No rasto das mãos enquanto desenham os bailes do pensamento como fotografia, a natureza é outra, mais dialógica. Vejo de fora para dentro do outro. É mais perto da respiração original e desse som fundo. É mais quente. É mais tudo.
Deve ser por isso que me emocionei de jornal na mão, enquanto o folheava distraidamente na tabacaria...
( porque sim, perto da minha casa, há um lugar onde posso tocar nos jornais e nas revistas, antes de os comprar. É lá que vou sempre e onde, por essa liberdade rara, gasto algum dinheiro todos os dias. Muito mais que antes, quando só havia os dois quiosques e a tabacaria do centro comercial, todos muito impermeaveis e sem miolo: só capas. Assim continuam. )
... são as palavras de Sophia. De duas maneiras, novas: a primeira página de um conto infantil, nunca publicado (a intenção da família será fazê-lo, diz o Jornal), a primeira página do seu caderno manuscrito. E a folha de papel de jornal na minha mão é, por segundos, a mesma.
4 comentários :
Que bonito! com carinho um beijinho
Linda declaração. Também sinto-me assim com as palavras.. seus sons e contornos enroscam-se... Sorte ter perto a tabacaria...
:)*
ao ler-te lembrei-me deste:
Poema de Helena Lanari
Gosto de ouvir o português do Brasil
Onde as palavras recuperam sua substância total
Concretas como frutos nítidas como pássaros
Gosto de ouvir a palavra com suas sílabas todas
Sem perder sequer um quinto de vogal
Quando Helena Lanari dizia o "coqueiro"
O coqueiro ficava muito mais vegetal
Sophia de Mello Breyner Andresen
in Geografia, 1967
Lindo, tudo isto: Sophia e Dora!
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