Aí estão eles. Muitos. Distinguem-se ao longe
pelos tons de vermelhos que exalam, suportados por branco em pinceladas, pelos
grandes formatos e capas brilhantes. Surgem todos juntos, o que agrava os
sintomas, normalmente em pequenas mesas, baixas.
Pois é, o
Natal. E as livrarias a tornarem-se sucursais do Pólo Norte, onde as renas não
chegaram por se enganarem no caminho ou de onde os gnomos não saíram por
excessos laborais. As cartas em montes encontram um atrapalhado senhor de
barbas brancas, salvo por uma minúscula figura, um rato, por exemplo. Há sempre
um menino triste algures e um milagre de última hora em forma quadrada de
prenda embrulhada em laçarote chamativo. E uma moderna figura, já clássica pela
recorrência, fazendo jus ao popular “por detrás de um homem há sempre uma
mulher” e ao sabor dos tempos de girl
power: a Srª Natal ou, mais estranho ainda, a Mãe Natal. De figura
secundária, ganha terreno de ano para ano, em contraponto ao progressivo
cansaço do marido.
O
psicologismo das personagens na literatura infantil, forte na
contemporaneidade, ataca estas latitudes espaciais e temporais. Os resultados
são questionáveis ou não fosse este o momento mais para contemplação que de
afirmação de egos.
A existir,
tenho saudades do Pai Natal figura tranquila, voadora e viajante, insuflada
mais de ar que de peso terreno e calorias, competente na sua profissão e sem
dramas existenciais. Um cenário, mais que personagem. Prefiro a linearidade
desse silêncio, que a repetição estridente de enredos domésticos em drama de
trazer por casa que não apetecem nada nesta altura ( nem em nenhuma ). Já bem
bastam os acelerados centros comerciais e o pai ( a sério ) que estará a
trabalhar na noite de 24 e não virá para jantar.
Assim, e
em regra com muito poucas excepções, reajo tipo sarampo – mas ao contrário,
pois é do vermelho brilhante que fujo – às célebres mesas anãs e escaparates. É
que não consigo distinguir mesmo nada, no meio das estrelinhas, pinheirinhos, e
outros inhos nas capas, mais
ofuscantes que as luzes do chinês em rima competitiva com títulos estafados
pelo espectro lexical reduzidíssimo, a tentar sobressair mais que o vizinho.
Silent Night... não era este o tom ?
Por isso...
Depois do Natal ( que conheci
primeiro em francês, e que ficou comigo desde esse Março quase Abril de Bolonha
). Não se tratava este texto de fazer o isolamento de um título sazonal. Apenas
aqui o trago para sublinhar, por contraste iluminado, o que acabei de dizer.
É um livro
estranho.
Não existe
para o mercado depois do Natal ( porque tem no título a palavra “Natal” ). Não
se vende no Natal, porque não tem renas e assume uma paleta escura e nostálgica
em papel mate. Porque usa o advérbio “depois” que soa a saldos. Porque não
conta exactamente uma história. Porque a figura ri pouco mais que a Mona Lisa e
a sua androginia não é de confiança.
É um livro
estranho.
E por tudo
isso absolutamente perfeito. Pelo menos para mim. Ou não fosse estranha esta loucura
rubra em desajuste com o silêncio que o solstício de Inverno tenta sintonizar.
Um livro
em suspensão. Menos bons serão os resultados para o editor, mas exacto nessa
existência clandestina, traduzindo o indizível e a cumprir no corpo das páginas
o que o título promete.
Parece
demasiado simples ( e é ), mas requer para eco completo maturidade de quem já
atravessou muitos Dezembros. Mas, se até há pouco o julgava apenas para
adultos, uma experiência que conheci recentemente com crianças pequenas, fez-me
mudar de ideias. A literalidade disponível nas imagens e nas palavras acolhe
igualmente olhares novos, de outra forma, mas já no mesmo caminho, que aquele
que faz estrada na afirmação que a literatura infantil mais que brilho é raiz
de começo (ou não fosse a planta pequenina na mão “da menina” aquilo em que
todas repararam).
Bons dias
e começos, agora e depois.
( texto elaborado para o blogue edição exclusiva )
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