novembro 16, 2021

Nada é Suficiente para se Morrer

(...)
- Sou um autor de folhetos, acho que interrogativos, e sobretudo um muito interrogativo leitor de perguntas. Mais nada.
- Basta para uma vida ?
- Nem sei se basta para uma verdadeira morte. Nada é suficiente para se morrer. Ou é suficiente cruzar os olhos com os de uma leoa materna. Ou brandir esse pequeno objecto eléctrico, embora seja tão pequeno e a noite por todos os lados do quarto pareça interminável. Conheci um homem, um psiquiatra descontente — são raros, os psiquiatras descontentes, conheço-os muito contentes a ganhar para enlouquecer as pessoas, rende tanto como a política, trata-se de política, a sinistra política dos tratamentos —, vivia numa ilha, este, descontente, adorava falar de estrelas, constelações, sabia tudo, mas era, digamos, estelarmente irredutível: estava contra a ordem celeste. Mandou substituir o tecto do quarto de dormir por uma abóbada com um sistema electrónico de corpos celestes, deslocados, todos, relativamente à estrutura natural, autónomos entre si. Ali era a lua nas suas fases e as Ursas e o Cruzeiro do Sul e a estrela Arcturus: um sistema de teclas permitia acender aquilo que se desejasse. O que vigorava era um céu dele, era ele. Talvez pudesse morrer. De facto morreu mas não sei de que maneira interior morreu. Nunca se sabe aquilo que basta. Talvez baste um poema, uma coisa mínima, viva, nossa, uma coisa sub-reptícia para empunhar diante do implacável acordo das formas exteriores. Também pode ser que nada baste. E nesse caso tanto faz escrever um romance ou cem poemas ou apenas um poema, ou ler ou emendar o céu astronómico ou manter-se parado no meio de um jardim húmido e silencioso, à noite. Até pode suceder que a morte não seja bastante. E isto sim é interrogativo.

Herberto Helder, in '(Auto-)Entrevista, Jornal Público, 4 Dezembro 1990'

junho 04, 2021

así son los globos


 

 

 

 

 

 

 

 

 
 
 
in Cajita de fósforos. Antología de poemas sin rima, editado por Adolfo Córdova para a EKARÉ. Ilustrações de Juan Palomino.  
( carregar nas imagens para ler estes belíssimos poemas ).

abril 18, 2021

Why you - adult - should read children's books

"Children's fiction does something else too: it offers to help us refind things we may not even know we have lost. Adult life is full of forgetting; I have forgotten most of the people I have ever met; I've forgotten most of the books I've read, even the ones that changed me forever; I've forgotten most of my epiphanies. And I've forgotten, at various time in my life, how to read: how to lay aside scepticism and fashion and trust myself to a book. At the risk of sounding like a mad optimist: children's fiction can reteach you how to read with an open heart. When you read children's books, you are given the space to read again as a child: to find your way back, back to the time when discoveries came daily and the world was colossal, before your imagination was trimmed and neatened, as if it were an optional extra" 

 

Katherine Rundell